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sábado, 17 de novembro de 2012

ANATEL, 15 ANOS



Empenhada na perseguição às rádios comunitárias

Por Bruno Marinoni em 13/11/2012 na edição 720
Reproduzido do Observatório do Direito à Comunicação

Basta uma rápida busca na internet sobre a relação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) com as rádios comunitárias para perceber o tamanho do problema. São recorrentes reclamações de que a agência tem “reprimido”, “atacado”, “multado” e “fechado” emissoras ao redor do país. O uso da força contra iniciativas de grupos que buscam um espaço no espectro eletrônico, que acreditam poder pôr em prática o seu direito de exercer a liberdade de expressão, mas que não se enquadram no sistema comercial das médias e grandes empresas de comunicação parece ser comum.

De acordo com Arthur William, representante da Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc) no Brasil, “a Anatel incorporou a funcionalidade do antigo Dentel e absorveu, em certa medida, também sua mentalidade, agindo muitas vezes como capataz do Ministério das Comunicações, estando mais preocupado em fechar e perseguir as rádios comunitárias”.
Arthur ainda afirma que houve um processo de recrudescimento da repressão por parte da Anatel, com maior número de fechamentos durante o governo Lula do que na vigências dos governos de FHC.

Atualmente, a Amarc Brasil tem orientado que os radialistas comunitários comuniquem a defensoria pública para impedir que a Anatel leve ilegalmente equipamentos da emissora. Há uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1668) contra o artigo 19 da lei 9.472/97, questionando o direito da agência de realizar buscas de transmissores em rádios livre e comunitárias, o que confere à apreensão dos equipamentos também uma prática irregular.
Além disso, os comunicadores populares reclamam do fato de que a Anatel não têm se dedicado com o mesmo empenho à fiscalização das emissoras privadas e das operadoras de telecomunicações. A própria inexistência de uma legislação específica e atualizada, assim como de uma agência reguladora que dê conta da radiodifusão comercial expressa esse tipo de tratamento privilegiado.

“Existem outros temas mais urgentes para cuidar, como esses das telecomunicações, do que apreender rádio que presta serviço à comunidade. Espera-se que a Anatel atenda os anseios da sociedade por fiscalização dos serviços comerciais, como a telefonia e as emissoras privadas, e ajude no processo de legalização das rádios comunitárias, oferecendo formação, capacitação e parcerias, como previsto, em vez de implementar uma política proibitiva de perseguição”, afirma William.

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Empresas interferem no funcionamento da Anatel

A definição da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) como autarquia lhe coloca em uma posição de relativa autonomia frente ao Poder Executivo. Se por um lado, efetivou-se um afastamento da dinâmica política interna e da influência permanente do Governo Federal, por outro, a agência tem sofrido pressão principalmente por parte de agentes privados do mercado, desde o momento da nomeação de conselheiros até em seu relacionamento com a sociedade.
Concebida para funcionar com independência administrativa e de financiamento, a Anatel possui um Conselho Diretor com mandato de cinco anos e composto por cinco membros que, embora nomeados pela Presidência da República e com aprovação do Senado, dirigem a agência sem estar subordinados a uma outra instância do Estado. Das formas de relacionamento entre este conselho e o setor privado, a mais evidente é a incorporação de ex-conselheiros aos cargos de chefia de grandes monopólios ou sua origem nessas empresas.

O atual presidente do Conselho Diretor, João Batista de Rezende, por exemplo, já ocupou o cargo de vice-presidente (2005-2006) da Associação Brasileira de Concessionárias de Serviço Telefônico Fixo Comutado (Abrafix), o que comprova que pelo menos em algum momento já foi representante direto das empresas do setor. Segundo Flávia Lefèvre, advogada do PROTESTE (Associação Brasileira de Defesa do Consumidor), o caso específico da atual presidência da agência, entretanto, estaria mais vinculado às relações com o ministro das comunicações e a Casa Civil, embora confirme que o relacionamento da Anatel com o setor privado é bastante evidente e problemático.

Há muitos exemplos de ex-conselheiros que saíram direto da função para a chefia de empresas privadas. São bastante conhecidos os casos de Antônio Carlos Valente, que foi ser presidente do Grupo Telefônica (Vivo), e de Luiz Francisco Perrone, que passou a ocupar a direção da Brasil Telecom. “Ninguém nunca saiu da agência para trabalhar em um órgão de defesa do consumidor”, ironiza Lefévre.

O ex-presidente da Telebrás, um dos coordenadores de sua privatização, Fernando Xavier Ferreira, pode ser considerado um caso emblemático da forma como se dá a influência. Após a privatização da estatal tornou-se “no dia seguinte” presidente do Grupo Telefônica e “foi por muito tempo presença constante na Anatel registrada em documentos, como atas de reuniões de conselhos”, diz a advogada. “Esta relação da agência com os agentes privados, de certo modo promíscua, a gente sabe que interfere muito na forma que a Anatel regula ou deixa de regular”, completa.

Participação social

Por outro lado, o espaço com uma maior participação de representantes da sociedade civil no interior da agência, o Conselho Consultivo, composto por doze membros, não possui poderes efetivos, desempenhando um papel restrito de pressão política. São consideradas suas atribuições opinar sobre políticas de comunicação, apreciar os relatórios anuais do Conselho Diretor, aconselhar em temas relativos à prestação de serviço no regime público, requerer informações e propor ações. Ainda assim, metade dos seus membros são indicados pelos Poderes Executivo e Legislativo Federal, dois por associações das empresas de telecomunicações e outros quatro por entidades representativas dos “usuários” e da “sociedade”, sendo que esses últimos termos, pela imprecisão, dão margem para amplas interpretações.

Outras evidências da ampla influência do interesse privado sobre a atuação da agência surgem no que deveriam ser os demais mecanismos democráticos de participação. Embora tenham ocorrido 32 consultas públicas e 29 audiências no ano passado, aumento importante se considerarmos que estas últimas foram apenas 14 em 2010, ainda sim esses instrumentos têm se apresentado extremamente limitados para uma ampliação real da participação social.
Em primeiro lugar, há poucas informações para a população em geral que possibilite avaliações qualificadas dos cenários de inovação e regulação. Soma-se a isso que a utilização de linguagem técnica para tratar de discussões tecnológicas e econômicas não permitem uma rápida compreensão das questões em jogo por parte dos atores sociais.

Nesse quadro, quem não possui capital comparável ao das empresas que investem milhões em consultorias, análises e estudos, entra em uma disputa desleal. Em segundo lugar, a sociedade civil organizada não tem sido convidada para se informar antecipadamente sobre determinados temas e iniciativas, sendo pega muitas vezes de surpresa pelas breves “consultas” do poder público. “O bom andamento destes processos necessita de uma agenda regulatória, fruto de processo decisório amplo, que possa ser acompanhado de maneira simples, pública e em sistema com constante atualização”, afirma Veridiana Alimonti, advogada do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec).

Há, ainda, o problema da centralização das audiências públicas em Brasília, o que dificulta uma mobilização representativa de grupos sociais interessados em participar, enquanto o setor empresarial possui recursos suficiente para levar seus representantes e manter escritórios na capital federal. Conforme um dos membros do Conselho Consultivo, Marcelo Miranda, deveria haver “um número maior de audiências, como, por exemplo, uma edição por região do Brasil, em especial quando o tema for de alta relevância”

Podem ser apontados, porém, alguns avanços no sentido da efetivação de direitos na política da Anatel. De acordo com a advogada do Idec, há “medidas positivas recentes tomadas em direção à internalização da proteção do consumidor nas atividades da agência”, como o Plano de Ação Pró-Usuários, aprovado em 2010. O representante do Instituto Telecom destaca, também, a decisão de se transmitir as reuniões do Conselho Diretor ao vivo pela internet como opção importante para a transparência do órgão. É possível acrescentar ainda a disponibilidade de acesso a dados efetuada no contexto da implementação da Lei de Acesso à Informação, que promove uma outra cultura de relação entre órgãos públicos e os cidadãos.
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