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sábado, 28 de fevereiro de 2015

Rádio Progressiva, uma comunitária de verdade




Por Marcelo Delfino

Na história das rádios comunitárias e/ou livres da década de 1990 da cidade do Rio de Janeiro, o capítulo mais destacado cabe à extinta Progressiva FM 91,3, emissora que tinha sede e torre no Complexo da Maré. A emissora era tocada por uma equipe de ativistas sociais, que tinham Wladimir Aguiar à frente.

A Progressiva FM tinha um alcance excepcional. Além de atingir facilmente com sinal local todo o bairro de Bonsucesso, a rádio chegava com diferentes níveis de sinal a lugares distantes como outros bairros da Zona Norte que margeiam a Avenida Brasil, a Ilha do Fundão, Pilares (de onde eu ouvia a emissora), Inhaúma e alguns pontos de São Cristóvão, Centro, Rio Comprido, Tijuca, Maracanã e Praça da Bandeira.

Tenho aqui um texto que coloquei na definição da comunidade da Progressiva FM que criei no Orkut:

Nos anos 90, houve uma rádio no bairro carioca de Bonsucesso, na freqüência FM 91,3. Chamava-se Progressiva FM, e foi a melhor rádio rock que esta cidade teve nos anos 90. A rádio foi extinta.

Dificilmente teremos a Progressiva FM no ar novamente. Pode ser que ela volte em breve, como web radio. De qualquer forma, fica aqui este espaço para todos os profissionais e ouvintes daquela rádio vanguardista lembrarem daqueles dias heróicos em que tínhamos uma rádio de verdade, de rock de verdade.

De fato, a programação da Progressiva FM foi a melhor do gênero em sua época. Era melhor até que a Fluminense FM, nos anos que coincidiram o início da Progressiva e o fim da Fluminense. A Progressiva tinha a vantagem da independência total, por não ter ezecutivos tacanhos como os que mataram a rádio niteroiense várias vezes. A planilha da rádio era vasta e variada. A ponto de ter incluído uma música de uma banda de rock cristão: a música Abrir os olhos, do Resgate. Apesar do nome, a emissora não transmitia apenas música progressiva. Apresentava todos os estilos de rock. Dos medalhões, passando por nomes indies daqui e do exterior, bandas artisticamente relevantes, os grandes nomes do rock brasileiro até as boas novas bandas brasileiras da época. A rádio de fato tocava todas as boas gravações de bandas independentes que chegaram lá, muitas vezes em fitas demo cassete.

A rádio tinha programas diários e programas semanais dedicados a segmentos específicos. O mais destacado era o Artigo 5º, só com bandas independentes. O nome do programa fazia alusão ao Artigo 5º da Constituição, que tem eu seu item IX:

IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença

Vários radiodifusores de rádios autenticamente comunitárias pelo país afora usam até hoje esse texto (especialmente a expressão independentemente de censura ou licença) como motivo para colocarem essas emissoras no ar, mesmo na condição de rádios piratas.

Eu ouvia constantemente esse programa Artigo 5º. O programa era literalmente sem censura. Jogavam ouvintes no ar ao vivo, sem fazer distinção entre os ouvintes. Cheguei a entrar no ar ao vivo, para debater com Wladimir e os outros integrantes do programa a compra e o arrendamento de emissoras de rádio oficiais pelo país afora, já naquela década. Tema que surgiu numa das edições do programa. Também entrei no ar para debater sobre o circuito de rock independente da cidade.

Por algum motivo ainda não esclarecido, a Progressiva FM aumentava a sua potência uma vez por semana, exatamente no horário de 20 a 22h das quintas-feiras, que era o horário do Artigo 5º. O sinal da rádio aumentava tanto que eu a sintonizava com sinal local em Pilares, não com sinal raquítico como de costume. Invariavelmente o Artigo 5º se estendia além do seu horário. Teve edição que acabou quase à meia-noite. Era até curioso ouvir a rádio baixando a potência depois do programa. Até o volume de som diminuía.

Para cumprir sua função de rádio comunitária, a Progressiva FM fazia parceria com associações de moradores do Complexo da Maré e com outras entidades que atuavam ali. A rádio não tinha comerciais. No lugar deles, colocava campanhas e mensagens educativas. Havia uma que recomendava explicitamente a substituição da margarina por manteiga, por ser mais saudável.

A Progressiva FM entrou no ar antes mesmo do fim da Fluminense FM (1994). A Progressiva FM acabou virando, obviamente, a nova rádio rock do Rio, pra quem podia sintoniza-la. Surgiu sem fazer propaganda. Só o barulho característico dos rocks que transmitia. Houve uma época em que agentes da Anatel diziam que era "questão de honra" achar e fechar a Progressiva FM. Só que não conseguiram. A rádio saiu do ar cerca de oito anos depois de entrar no ar. Foi extinta na mesma época em que a Rádio Cidade foi arrendada pelo projeto "Rede Rock" da 89 FM paulistana.

O próprio Wladimir deu a sua versão sobre o fim da rádio no Orkut:

Sonho acabou, isso mesmo, foi um sonho pensar que poderímos manter no ar uma emissora tão idependente quanto a Progressiva FM. Não foi a PF, a Anatel ou a pressão das outras emissoras, e sim o tempo,'time for money'.
Foi como um amor de verão curtido intensamente que durou 8 anos.
Sobrou na equipe apenas eu e a Alyne Fernandes, e resolvemos desaparecer do dial da mesma forma que surgimos, misteriosamente.

Mantivemos a Progressiva FM no ar por mais de 8 anos com recursos próprios, era a resistência undergound no dial carioca, participamos de momentos históricos como a tomada da reitoria da UFRJ, fomos citados em vários veículos de comunicação como a voz do submundo, várias bandas que hoje fazem sucesso deixaram sua fitinha demo lá.

Chegamos a ser a nº 1 na lista da Polícia Federal para ser fechada, para a Anatel era questão de honra lacrar a Progressiva FM, resistimos até o fim sem sair do ar, nunca conseguiram nos pegar.

Encerramos nossa programação no auge de audiência, com a consciência do dever cumprido.

Este é um breve histórico da saudosa Progressiva FM. Sinceramente, eu gostaria que a situação do dial carioca fosse completamente diferente, hoje. A situação só piora, desde o início da década de 1990. As rádios cariocas, sejam grandes, comunitárias ou piratas, estão quase todas entregues à politicagem, à Música de Cabresto Brasileira, ao jabá musical, jornalístico e esportivo e à picaretagem gospel.