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terça-feira, 7 de abril de 2015

Um ambientalista uiva para a lua no subúrbio distante


Um ambientalista uiva para a lua no subúrbio distante
Cleiton não tem culpa de nada. É apenas um cumpridor de ordens.
--- Vamos acabar com essa festa que a rua é residencial e vocês não têm permissão para fazer barulho.
Cleiton é um incoerente que pensa que tem alguma autoridade. Não houve resistência. Todo mundo saiu do clubezinho de subúrbio, foi zonar por aí, outros foram para casa, meio irados da vida. O dono da festa e responsável pela rádio comunitária ainda tentou argumentar que a festinha era para arrecadar dinheiro para pagar a multa que a ANATEL aplicou na emissora da comunidade.
Cleiton não tem condições de entender a importância daquela estação de rádio para o povo da localidade. Nem imagina como aquele projeto de rádio estimulava a rapaziada a ser alguém, a vencer a pobreza, a esquecer o apelo da droga e gostar de si. Cleiton, na sua imensa debilidade, nem desconfiava da transcendência daquele projeto de comunicação popular.
Com o boleto da multa da ANATEL na mão, o rapaz da rádio ficou no meio da rua, pensando numa maneira de reagir. Quando o carro da Secretaria do Meio Ambiente dobrou a esquina, ele reuniu os amigos e desceu a rua convidando todo mundo a voltar para a festa, onde os músicos já encaixavam os instrumentos.
Vamos continuar a festa que eles já foram embora.
Para prevenir, fica alguém na torre da antena da rádio. Se eles voltarem, a gente dá o sinal – disse um dos rapazes.
Partiram para a ação. Enquanto dois cabras subiram na antena, para vigiar a Secretaria do Meio Ambiente na pessoa do famoso Cleiton, os demais botaram som na caixa e o forró voltou a soar na rua suburbana. Os frequentadores da festa surpreendem pela persistência. Todos voltaram ao clube, menos um. Totinha deu a volta no quarteirão e foi encontrar Cleiton para reafirma a importância do evento para rádio .
Cleiton é um pusilânime que gosta de mostrar força diante do mais fraco. Parou uma patrulha da polícia que passava, falou com o sargento e seguiram para a rua da rádio comunitária. O sargento, da mais alta sabedoria bélica, já desceu da viatura cercando o clubezinho, com sua pistola na mão. Uma roda de amigos conversava no fim da rua. No clube, apenas os músicos guardando os instrumentos e o menino da rádio com o papelote da multa na mão. Foram avisados pelos cabras da torre.
Cleiton, com a dignidade de quem exerce a plenitude do poder, trata mal o rapaz da rádio e ameaça: Se voltar a fazer festa passo uma multa das grandes pra vocês !
O menino da rádio, apesar dos pesares, tinha alguma deferência ao Cleiton. Achava que a sua alma jamais seria corrompida por uma oferta de propina. Com seus impostos para o crescimento da nação, o empresário dono da rádio comercial que opera ilegalmente não demonstrava nenhum respeito com Cleiton, nem com a Semam e muito menos com a Anatel. Comprava todos no varejo e no atacado. Mas o garoto radialista sabia qual é o seu lugar. Como convém à sensatez das elites, é preciso que muitos cleitons sirvam de cão de guarda nos arrabaldes e cercanias miseráveis no meio da noite suburbana e sem som.
Fábio Morzat